26/03/2010 - SMTMU - Transportes
Cuidados ambientais: confira a palestra da Procuradora da República Analúcia Hartmann
Antes de qualquer coisa, é preciso fazer estudos profundos

foto/divulgação: Rafaela

No centro da mesa de debate, Procuradora Analúcia Hartmann

Do que eu mais gostei no convite para participar deste seminário, é de que haja discussão antes que a situação seja criada. Antes de ter uma situação consolidada que vai parar na Justiça, em manifestação de rua, etc.

 

Minha especialidade é legislação ambiental, não marítima. Trabalho no Ministério Público Federal, há 18 anos, 15 dos quais dedicados a esta especialidade.

 

Quero deixar bem claro que o Ministério Público não é contra as marinas e os portos. Queremos que eles saiam, mas com as licenças necessárias. O que nós cobramos é que tudo seja precedido dos estudos necessários, que são uma necessidade para que possamos concretizar o que a nossa Constituição Federal chama de desenvolvimento sustentável.

 

Recebo muitos empresários que afirmam que seus projetos são de desenvolvimento sustentável. Só que esta expressão está sendo usada erroneamente. 70% dos empreendimentos de Florianópolis estão fora da lei. Desenvolvimento sustentável não é usar energia solar, gerar empregos...embora tudo isso seja muito bom. Trata-se de uma utilização dos recursos naturais e culturais racional, de modo que a população que vier depois possa continuar a usufruir destes recursos.

 

Aí está a dificuldade quando falamos de equipamentos que alteram o meio ambiente. É claro que não esperamos que as coisas tenham impacto zero. Mas este impacto pode ser minorado ou mesmo positivo, se as coisas forem bem pensadas.

 

É muito diferente discutir a construção de um porto ou a construção de um prédio no centro da cidade. A construção do prédio traz impacto. Agora, a construção de um porto altera a paisagem.

 

Temos uma legislação federal de gerenciamento costeiro, temos (com pontos de interrogação) uma estadual e (com mais pontos de interrogação ainda) uma municipal. Infelizmente, muito pouco desta legislação tem sido aproveitada.

 

A constituição de 88 foi criada em um clima de pré Rio 92. Por isso, este capítulo foi aprovado com unanimidade.

 

Um manguezal sem poluição funciona como uma esponja e é importante para o equilíbrio das chuvas, para evitar inundações. Se vingar este plano diretor, a fauna e a flora do sul da ilha, que já correm sérios riscos, desaparecerão.

 

Florianópolis tem uma evidente vocação turística, porque é muito bonita. E não é bonita por causa de seus prédios, mas por causa de seus manguezais, sua paisagem, suas praias. Se querem ganhar dinheiro com turismo, o desenvolvimento sustentável indica um caminho óbvio. Infelizmente, muita gente que quer ganhar dinheiro com turismo só pensa em ganhar dinheiro à pequeno prazo.

 

Transporte marítimo em Florianópolis pode parecer um caminho óbvio, mas nunca foi seriamente estudado em nossa cidade. Nós não temos nem estudos sobre as correntes marítimas da cidade, que só agora está sendo feito. Parecia uma coisa óbvia, mas se atalhou o caminho. Esses atalhos de falta de estudo são o que atrapalham esta ilha. Deveria ser evidente este levantamento, bem como o da fauna e da flora.

 

Os terminais também não podem ficar simplesmente onde os empresários têm seus terrenos. Têm que sair onde a população precisa e, só depois, o turismo. O Brasil já não recebe o turismo que mereceria porque as coisas aqui não funcionam. O Brasil tem 10% do turismo que tem a França, que é um país do tamanho de Minas Gerais. Mas lá tem uma legislação bem mais forte que a nossa e a administração pública funciona, o administrador corrupto vai preso.

 

Há um ponto que eu sei que vai ser problemático para a prefeitura: vincular o transporte marítimo ao transporte rodoviário, que está longe do mar. A cidade está parando. As pessoas vêm pra cá querendo ver paisagem. Não adianta vir com coisas miraculosas, vamos furar o morro, duplicar a Avenida das Rendeiras...eu já cheguei a sugerir para um administrador que ele aterrasse a Lagoa da Conceição e construísse um grande estacionamento, via dupla...agora, o que as pessoas iam querer fazer lá, eu não sei.

 

Legislação municipal é importantíssima para dar as diretrizes do que a população quer. Foi decepcionante o resultado do que se esperava da nossa legislação municipal, que pisa em cima, inclusive, do domínio da União sobre os terrenos de marinha, repetiu trechos da legislação estadual e jogou o restante para que fosse resolvido através de decretos.

 

Temos problemas sérios de abastecimento de água potável em Florianópolis. Nós já temos uma grande parcela de praias muito contaminadas – e nem temos mais detalhes a respeito disso porque a FATMA não tem mais pontos de observação. Os ingleses despoluíram seus rios dentro de grandes cidades. Se eles conseguiram, por que nós não?