Gestão de Resíduos (SMMA)

16/06/2015 - Continente
Comcap apura tecnologias com alemães
Coleta diferenciada de resíduos úmidos, pátio de compostagem e hortas urbanas estão entre as metas da companhia

foto/divulgação: Alessandro Rosman/Prefeitura de Jundiaí

Marius Bagnati em palestra no 3º Congresso Técnico Brasil Alemanha

O acesso a tecnologias europeias deve ajudar o Brasil a enfrentar o desafio de recuperar a fração orgânica dos resíduos. Hoje, mais da metade do que vai para aterro sanitário são restos de alimentos que bem poderiam ser destinados à compostagem e à produção de orgânicos em hortas urbanas.


O raciocínio é do presidente da Comcap, Marius Bagnati, ao apresentar cinco casos de aproveitamento de resíduos orgânicos na Capital de Santa Catarina durante o 3º Congresso Técnico Brasil Alemanha – Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos Urbanos, em Jundiaí.

Em Florianópolis, como de resto em todo o país, as iniciativas de recuperação da fração úmida ainda carecem de escala. Por enquanto, se depender da Comcap, que este ano vai compostar 4 mil toneladas em parceria com a Associação Orgânica.


“Gastamos mais defensivos agrícolas do que qualquer outro país do mundo para produzir alimentos que prejudicam nossa saúde e ambiente. Temos de pensar em hortas dentro da cidade, para reciclar o orgânico, reduzir o custo dos alimentos e melhorar a qualidade da alimentação”, apontou Bagnati. Segundo ele, a Comcap vai capacitar seus técnicos para caracterizar os resíduos, implantar a coleta diferenciada dos orgânicos e articular a implantação de hortas comunitárias.

ENTREVISTA Marius Bagnati

 

“Vamos implantar hortas urbanas para melhorar o custo e a qualidade da alimentação em Florianópolis”

 

O presidente da Comcap, Marius Bagnati, e o diretor de Operações, José Vilson de Souza, participaram em Jundiaí do 3º Congresso Técnico Brasil-Alemanha - Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos Urbanos semana passada. Durante o evento, foi assinado termo de cooperação técnica Florianópolis e o consórcio alemão GFA para transferência de conhecimento e aplicação de tecnologia sem custos para a municipalidade.


Bagnati é co-autor do livro "Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos Urbanos – Transferência de experiências entre a Alemanha e o Brasil”, em parceria com Aguinaldo Leite, Klaus Fricke e Christiane Pereira, lançado na ocasião.

De volta a Florianópolis, Bagnati falou sobre o evento.

Como foi o congresso em Jundiaí?

Esse 3º Congresso Técnico Brasil Alemanha foi mais uma oportunidade de aproximação das tecnologias alemãs com o mercado brasileiro. Compareceram lá tanto profissionais e técnicos da área do saneamento como de empresas de coleta. Foi muito interessante porque, nesta edição, houve participação muito grande de empresas que estão buscando orientação para dar o destino adequado aos seus resíduos. Foi um perfil novo de participação. Até porque há uma legislação que obriga a todos nós, inclusive as empresas, a tratar adequadamente os resíduos. E começa a haver também uma ação muito mais incisiva do Ministério Público a respeito do atendimento dessa legislação.

Entre as experiências apresentadas em 27 palestras, esteve a Comcap com soluções para o tratamento de resíduos orgânicos que servem inclusive a municípios de pequeno porte. Uma vez que 73% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes e produzem, portanto, em torno de 10 toneladas/dia, hoje são requeridas soluções diferentes, ou adaptadas, daquelas de alta tecnologia apresentadas pelas empresas alemãs e italianas que estiveram presentes.

Apresentamos cinco cases catarinenses. A primeira experiência,foi a de redes de supermercados, como Hippo e Angeloni, hoje encampada pela Acats, que aplica solução de encaminhamento dos resíduos em 100% das lojas. O segundo case foi o da 'Revolução dos Baldinhos', que é um sucesso como modelo de gestão social. Trata-se de uma tecnologia social para tratamento de resíduos sólidos. O modelo de tratamento de resíduos adotado em Florianópolis pela Revolução dos Baldinhos é uma solução que será adotada pelo Programa Minha Casa Minha Vida nos próximos anos, beneficiando cerca de 300 mil pessoas. Para isso, o Cepagro realizou consultoria para a Prefeitura de São Paulo durante três meses, de modo a compostar em torno de 400 toneladas por dia em resíduos das 900 feiras livres da cidade e do serviço de poda e capina de São Paulo. Esse é um avanço fantástico: uma tecnologia catarinense, nascida em Florianópolis, a partir da UFSC, do Centro de Ciências Agrárias e do método construído pelo professor Rick Miller, está sendo hoje expandida em nível nacional.

A Comcap há vários anos apoia a Revolução dos Baldinhos, colaborando na coleta dos resíduos. Semana passada, realizamos a terraplenagem de nova área para implantação de projeto conjunto. Cepagro e Comcap, com recursos da Fapesc, se unem para estabelecer um modelo padrão de pátios de compostagem. A partir deste modelo, será estabelecida a regulamentação de pátios de compostagem de pequeno porte.

Além disso, apresentamos trabalho que o Sesc faz em sua rede de restaurantes. São cinco unidades, inclusive a de Balneário Camboriú, onde são processados os resíduos orgânicos. Aqui em Cacupé também fazem. O composto orgânico serve para ajardinamento, para educação ambiental e é oferecido a visitantes. No Sesc Cacupé conseguiram resultado muito interessante com a medição e a separação de tudo que entra de insumos na cozinha e tudo o que sai de resíduos das cubas dos bufês. O desperdício foi reduzido de 380 gramas para 220 gramas por refeição. Ou seja, houve uma redução substancial já que a cada refeição, praticamente outra era desperdiçada.

O quarto case foi do Restaurante Central, que além dos seus cinco restaurantes, tem dois mercados São Jorge, no Itacorubi, e na área central da cidade. Por último, mostramos a própria Comcap e o trabalho que vem fazendo em conjunto com a Associação Orgânica. Estamos compostando em média 340 toneladas por mês, o que nos dá uma perspectiva de compostar 4 mil toneladas este ano.

Qual o plano da Comcap com esse trabalho?

Nossa intenção é que esse composto orgânico venha a ser aplicado em hortas comunitárias. Queremos investir maciçamente na coleta diferenciada e na agricultura urbana. A literatura científica nos diz que hoje mais de 30% de tudo que adquirimos de hortifrutigranjeiros têm contaminação com agrotóxicos acima dos níveis permitidos pela Anvisa. Para dar um exemplo, 91% daquele reluzente pimentão que está no mercado têm agrotóxico acima do permitido. Agrotóxico utilizado muitas vezes de forma inadequada para determinada cultura, em épocas impróprias, com aplicação muito próxima ou até na véspera da colheita. O Brasil desde 2008, é o campeão mundial de uso de agrotóxico e o mais vendido no ano de 2013 se chama glifosato: é o agente laranja que foi usado largamente na Guerra do Vietnã e até hoje tem como consequência crianças nascendo com deformações.

Os agrotóxicos provocam sérios problemas para a saúde humana, como distúrbios neurológicos, de pele e também câncer. Traz problemas para o ambiente, porque compromete o lençol freático ou pela lixiviação das chuvas segue para córregos e rios e é incorporado à cadeia alimentar, por meio da flora e fauna de rios.

A ideia é que dá para produzir alimentos mais perto das pessoas, nas cidades?


Com o crescimento das cidades, cada vez os alimentos estão mais longe. O custo do transporte interfere no custo dos alimentos e o custo do uso dos defensivos agrícolas também. Então podemos, principalmente nas cidades que ainda não estão totalmente verticalizadas, estimular que as pessoas produzam o composto orgânico e tenham suas hortas em casa. Podemos implantar hortas em terrenos de propriedade do município ou mesmo em áreas privadas que sejam dispostas para uso da comunidade. Pode-se pensar inclusive em haver uma isenção de IPTU, por exemplo, nessas áreas. Ainda vamos discutir a viabilidade dessa proposta.

 

Como Florianópolis vai enfrentar o desafio de diferenciar a coleta dos orgânicos?


Temos várias iniciativas na cidade. Há muita gente interessada numa alimentação saudável. Nós temos interesse em discutir novas formas de tratamento descentralizado de resíduos sólidos. Isso ficou muito claro com a visão de futuro apresentada pelo professor e doutor Klaus Fricke, diretor do Departamento de Resíduos e Recursos Naturais da Universidade de Braunschweig e presidente do Centro de Pesquisa, Educação e Aplicação em Resíduos Urbanos (CREED). Já há exemplos disso tanto em Hong Kong, na China, como em Hanover, na Alemanha, de edifícios que estão tratando todo o resíduo no próprio prédio. Nesses prédios cada vez mais altos, fazem primeiramente a separação, em cada unidade, depois toda a parte de plástico é transformada em óleo que vai para caldeiras para produzir energia tanto para aquecimento como refrigeração do prédio. Toda a matéria orgânica também é processada, inclusive usando painéis com alimentação de algas. A alga é biomassa de maior reprodução que existe. Com o uso de nutrientes que vêm do lixo tratado no prédio e pela ação do sol, elas crescem e são incorporadas e transformadas em energia no próprio prédio. Essas são tecnologias de ponta.

 

Nesse mercado ávido por tecnologias de ponta, no Brasil, estimulada principalmente pela empresa Votorantin, há a experiência da transformação dos resíduos em CDR (combustível derivado de resíduos). A Votorantin está trabalhando para que pelo menos 20% dos resíduos empregados na indústria cimenteira sejam oriundos da construção civil. Porque sabe que cada vez os outros combustíveis como óleo diesel serão mais caros e mais escassos. Sem contar que os resíduos sólidos têm alto poder calorífico, acima dos 1.480 graus necessários nesse tipo de indústria para produção do clínquer do cimento.

 

Como é o termo de cooperação assinado lá por Florianópolis e Votuporanga? É o mesmo já praticado em Jundiaí?


Jundiaí foi pioneiro na relação com a Alemanha para transferência de tecnologias na área de resíduos sólidos. Particularmente, com a Universidade de Braunschweig e com a PUC do Rio de Janeiro. Por conta disso, nos últimos três anos, o município obteve um aporte do Projeto i-Nopa (Novas Tecnologias Aplicadas), de R$ 1 milhão, para o trabalho de caracterização dos resíduos, com a vinda inclusive de técnicos e equipamentos da Alemanha para auxiliar na caracterização e a montagem até mesmo de um laboratório para as análises físico-químicas dos resíduos.

 

Passado um ano, eles têm noção clara de toda a composição dos seus resíduos neste momento, o tamanho das partículas, o grau de umidade, o poder calorífico do material, os componentes contaminantes por gases com dioxinas e furanos, por exemplo. Com isso conseguem definir a rota tecnológica que será a solução para o problema dos seus resíduos. A Prefeitura de Jundiaí tem investido bastante, inclusive na ida da técnicos do município à Alemanha para serem capacitados, e montou agora uma unidade de tecnologias modelo para serem testadas. Há duas tecnologias nesse momento. Uma para tratamento dos resíduos orgânicos em contêineres, com capacidade de 45 toneladas, que acelera o processo de compostagem. Em comparação aos métodos de compostagem que usamos hoje, esse processo de contêineres reduz o tempo em torno de quatro meses para 21 dias. Há outro processo, com aeração forçada, pelo qual se tem o composto em 60 dias, com leiras de até 200 toneladas cada uma. É dessas tecnologias que vamos nos beneficiar. Elas serão colocadas à disposição de Florianópolis e de Votuporanga, já que somos as duas novas adesões ao convênio com as entidades alemãs.

 

Fruto dessa relação, receberemos esta semana as peneiras que vieram da Alemanha para a caracterização dos resíduos. As amostras serão encaminhadas ao laboratório de testes físico-químicos que estará montado até o final de junho em Jundiaí. As análises do material de Jundiaí tiveram de ser feitas na Alemanha, agora, se tem esse laboratório, com a mesma capacidade daqueles. É o único no Brasil.

 

Florianópolis vai ter acesso franqueado a esse laboratório?


Sim, o prefeito Pedro Bigardi nos concedeu usar de forma gratuita e nossos técnicos poderão, inclusive, ser capacitados na Prefeitura de Jundiaí. É um avanço extraordinário do ponto de vista de capacitação e conhecimento. Também estamos credenciados para sediar ano que vem o 4º Congresso Brasil Alemanha. O segundo já foi feito aqui em Florianópolis. 

 

Caracterização geral dos resíduos

Brasil produz 63 milhões de toneladas ou 80 milhões de metros cúbicos de resíduos sólidos urbanos por ano

  • 51% são matérias orgânicas
  • 33% são recicláveis secos
  • 16% são rejeitos. Apenas estes deveriam seguir para aterro sanitário.