Gestão de Resíduos (SMMA)

23/09/2015 - Igualdade
'Onde há humildade, preconceito não tem vez'
Gerente da Comcap participa de casamento coletivo homoafetivo

foto/divulgação: Arquivo pessoal

Os noivos Luiz Dorizete Pinto e Ledenir Osvaldi Ângelo

Esse não é o único casamento homoafetivo no quadro de empregados da Comcap, mas é o primeiro a ocorrer em formato coletivo. O gerente da Divisão de Tratamento e Destino Final, Luiz Dorizete Pinto, casa neste sábado com Ledenir Osvaldi Ângelo, com quem já vive há seis anos. Normalmente discreto,  Dorizete tratou de informar mais pessoas sobre a possibilidade de participar do evento coletivo organizado por Luciana de Bastos Silva, a Lú do Bem.

 

A Comcap reconhece todos os direitos dos cônjuges de união estável, sem discriminar relações homoafetivas.  Aqui uma conversa com Dorizete por e-mail, sobre como percebe o avanço dessas novas agendas numa empresa pública de limpeza urbana, predominantemente operacional e masculina como a Comcap.

 

Você fez muita questão de compartilhar as informações sobre as inscrições para o casamento coletivo. Qual era sua preocupação?

 

Sei que a maioria sente o preconceito mais por causa da desinformação. Até eu estava apreensivo, pois esses eventos que envolvem o movimento GLTB acabam se perdendo e se tornando caricatos. Mas, ao conversar com a Luciana, a organizadora, ela explicou que existem regras para nos deixar confortáveis, tipo todos os noivos irão somente de branco, serão apenas duas testemunhas por casal. E, assim vai, não é um show, mas a realização de um sonho para muitos de nós que seremos vistos solteiros pela última vez, casados pela primeira vez e felizes para sempre.

 

Há quanto tempo você e o Ângelo se conhecem, namoram e vivem juntos?

Resolvemos morar juntos logo após nosso primeiro encontro que se deu no dia 17 de maio de 2009, e ‘juntamos as escovas de dente’ no dia 21 de setembro de 2009.(Essas informações quem me dita é Ângelo, porque sou péssimo em lembrar datas, kkkk)

 

Por que casar?

A maneira mais acertada que me ocorre para explicar essa pergunta é: a união entre duas pessoas é como uma parceria numa empresa, que só tem validade após as devidas comprovações burocráticas. Quando me perguntam qual meu estado civil, fico até meio incrédulo com a resposta, pois me considero casado, mas na prática não tinha como comprovar.

 

Que tipo de benefício prático o casamento representa?

Na minha opinião, os benefícios se fazem presentes nas situações mais corriqueiras do dia a dia, inerentes a qualquer casal hetero. Citando como exemplo um caso simples, quando precisei fazer uma simples endoscopia, tive que solicitar a companhia de uma amiga disponível, pois se meu companheiro o fizesse, seria punido com falta injustificada no trabalho, pois na prática nada comprova que não passamos de estranhos um para o outro.

 

Alguma outra situação desconfortável que se evita com o casamento?

Infelizmente as situações desconfortáveis estão atreladas ao preconceito e à falta de informação. Embora até agora não tenha vivido qualquer situação desconfortável, para ser mais incisivo numa resposta, sei que ao me casar, fortalecerei uma gleba de iguais que lutam por e direitos que se estendem a todos nós homossexuais.

 

Vocês pretendem aumentar a família?

Pretendemos deixar a vida seguir o seu curso naturalmente, sendo que, um de nossos ideais é auxiliar o próximo em suas necessidades. Naturalmente isso poderá se aplicar a alguma criança carente de assistência social e ou familiar. Nesse caso, caberá ao Estado julgar a nossa capacidade de atendimento ao necessitado, caso criemos vínculos afetivos tanto com menor, maior ou até mesmo com idoso, desde que necessite de assistência específica. Isso considerando-se que a família poderá ser constituída pelos mais diversos tipos de indivíduos.

 

Como será o casamento? Você já falou que será um ato discreto, é assim que vocês preferem?

Quando refiro-me a ato discreto, chamo a atenção para o fato de estarmos concretizando nossos anseios e tomando posse dos direitos adquiridos como iguais perante a lei, sem alarde ou apregoações pelo evento. No nosso caso, é assim que preferimos, pois de acordo com a nossa personalidade pacata, e por identificarmo-nos com o calmo e o sossego, simpatizamos logo de imediato com a informação de que nossa cerimônia seguiria os moldes dos casamentos até então tradicionais. 

 

 A Comcap é uma empresa predominantemente masculina, de trabalho em grande parte braçal, como você a classificaria quanto ao respeito à diversidade?

A Comcap representa, na íntegra, a família e a sociedade brasileira. Na atualidade, apesar da predominância masculina, no meio dos trabalhadores braçais encontramos professores, engenheiros, músicos, administradores, sociólogos e toda a sorte de trabalhadores que enriquecem a nossa cultura; mas que por um motivo ou outro acabaram por abraçar a responsabilidade da preservação do meio ambiente através da coleta, limpeza, preservação ou administração desse bem público que é a nossa querida empresa. Essas diversas formações profissionais contribuem para que tenhamos uma socialização muito dinâmica, reservando muito pouco espaço para que o preconceito ganhe força. Penso ainda que por estarmos prestando um trabalho que atende aos mais diversos meios sociais, acabamos por nos tornar ecléticos no trato para com a sociedade, pois o empregado que atende locais carentes, é o mesmo que atende ao contribuinte considerado ‘classe alta’. Sem distinção, acabamos por estender essa democracia para o nosso círculo de trabalho. Para que executemos as tarefas de predominância na Comcap, é necessária, antes de tudo, muita humildade. E onde há humildade o preconceito não tem vez.

 

Já foi atingido pelo preconceito? Lembra alguma situação e como você reagiu?

É com emoção e orgulho que aclamo os meus colegas de trabalho como os melhores parceiros que um ser humano poderia ter! Jamais sofri um pequeno desdém que fosse. Antes o respeito se faz presente em todos os dias que desempenhamos a nossa função. Até mesmo os tido como mais mal educados (figuras corriqueiras em nosso meio) sempre me trataram com deferência, fato que me granjeou inúmeros amigos muito caros ao coração. Desde o primeiro momento em que cheguei à empresa, quando recebi as primeiras orientações de Andréia Mara Martins, hoje assessora Administrativa, senti a segurança de estar entre amigos. Isso se reflete até os dias de hoje.

 

Você está há quanto tempo mesmo na Comcap?

No dia 15 de março completaram-se 11 anos.

 

Podes lembrar os setores em que trabalhou?

Iniciei como operador de roçadeira, me ocupando aí por dois anos. Para conciliar com outras ocupações, mudei para o turno da noite, auxiliando na varrição do roteiro 1. Quando apresentou-se a oportunidade para aprender o ofício de balanceiro, retornei para o diurno. Depois de três anos nessa ocupação, fui convidado a ocupar vaga de encarregado de turma no CTReS, hoje Centro de Valorização de Resíduos, o que me deu a graça de conhecer a diretoria atual que me nomeou gerente da divisão Operacional Leste e, há cinco meses, da Divisão de Tratamento e Destino Final.

 

Mais alguma coisa que seja importante mencionar?

 A nossa vida se forma a partir do que emanamos. Não estamos livres de sofrer qualquer tipo de constrangimento, isso, porém, não se deve ao fato de sermos gays, negros, ateus, brancos, humildes, gordos, magros, deficientes, etc... Consideremos, contudo, que qualquer ato de ofensa é mais pesado ao que comete, devido as suas carências afetivas, psicológicas ou culturais. Devemos a esses dirigir a nossa condolência e paciência e compaixão, pois ninguém fornece o que não tem. Então, se compartilharmos o amor que sentimos pelo próximo, talvez ele possa a partir do nosso exemplo sentir um novo prisma que não seja a sua própria ignorância. Esses anos que trabalhei na Comcap, me foram de grande aprendizado para que hoje estivesse falando com propriedade sobre isso. Conheci verdadeiros mestres que são analfabetos e doutores que são ignorantes. Chefes durões que surpreenderam pela compaixão, falastrões que se calam e tímidos que gritam por atos, por gestos, sem vozes... Entre tantos, sou apenas mais um, que talvez surpreenda pela atitude tomada nessa exposição. Sou apenas mais uma voz que oferece um rosto. E é assim dessa maneira que mostro a quem necessite: ninguém está sozinho. Basta falar, e sempre vai existir uma outra pessoa que necessitava somente de um exemplo para seguir. Lembremos sempre que não há necessidade de aprovação alheia para sermos quem somos. Seremos mais fortes quando unidos, mas se a vida vai ser difícil ou fácil, será uma escolha individual.

 

O que diz a lei

 

No Brasil, o casamento ou a união civil entre pessoas do mesmo sexo foi institucionalizado em maio de 2013, por resolução do ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa.

 

A Resolução Nº 175, de 14 de maio de 2013, dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo, conforme destaca o texto:

 

        “CONSIDERANDO a competência do Conselho Nacional de Justiça, prevista no art. 103-B, da Constituição Federal de 1988 ; RESOLVE:

       Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.”


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