Gestão de Resíduos (SMMA)

22/03/2018 - Comcap
De catinguento invisível a herói da criançada
Comcap percebe mudança na representação social do gari

foto/divulgação: Adriana Baldissarelli

Enzo diz que quer ser gari como o pai, Cristiano

As noites de segundas e sextas têm agenda certa para a família Livramento, na Coloninha: aguardar a passagem do caminhão da coleta seletiva da Comcap. Nenhum compromisso pode ser marcado, antes que Luiz Gustavo dê um tchauzinho para seus amigos garis. Pois na última semana, o menino e sua irmã Luiza ganharam em troca do saco de resíduos recicláveis, uma réplica de caminhão da Comcap feita em madeira reaproveitada.

 

Durante décadas, a profissão foi marcada pela invisibilidade e o preconceito. Conta-se no pátio da Comcap que algumas pessoas quando davam água mandavam que ficassem com o copo de vidro porque tinham nojo de reavê-lo. Era comum, aliás, serem chamados de “catinguentos” ou, na forma irônica, de “cheiroso”. Qualquer profissional com mais de 30 anos também se lembra de ter ouvido em casa: “Estuda, senão vais trabalhar na Comcap!”

 

Gari virou agente ambiental


Para a professora doutora do Departamento de Psicologia da UFSC, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Processos Psicossociais e de Saúde nas Organizações e no Trabalho, Suzana da Rosa Tolfo, a chave dessa mudança é a maior consciência ambiental. “Até alguns anos, lixo era uma coisa muito ruim. Hoje, inclusive pelo aspecto econômico, entende-se que pode se tornar um recurso precioso na reciclagem”, analisa. A partir daí, os profissionais que trabalham com resíduos, na Comcap ou nas cooperativas, deixam de ser vistos como aqueles que ficam com tudo de ruim que a sociedade sobra e passam a ser vistos como agentes importantes para salvar o ambiente.

 

Não por menos, a representação social do gari para a nova geração, com maior consciência ambiental, ganhou um status positivo, comparável a de profissionais como policiais ou bombeiros. “Os mais novos começam a ver que é fundamental cuidar do ambiente, então quem faz a limpeza da rua ou coleta os resíduos se torna um agente dessa sociedade mais sustentável. O pessoal que retira o lixo, varre a rua, corta a grama ou limpa a vala passa a ser visto como uma agente com grande contribuição em termos ambientais e sociais porque ajuda a garantir a sobrevivência e o futuro. Isso dá novo valor ao trabalho de limpeza urbana”, aposta a psicóloga.


Identificação infantil 

 

Essa nova valoração estimula um processo de identificação das crianças com a figura do gari e de solidariedade entre os adultos. Apesar de ser uma atividade que exige desempenho e esforço físico, tornou-se melhor regulamentada na Comcap com garantia de condições de trabalho estáveis e apropriadas. Ao ponto da carreira tornar-se bastante disputada em concursos e seleções públicas.

 

E, principalmente, como observou o prefeito Gean Loureiro, ao final do ano passado, ao ponto dos filhos dos empregados da Comcap desejarem um dia também trabalhar como garis.

 

No aniversário de Florianópolis, a Comcap faz questão de registrar relações amigáveis e comoventes entre crianças e garis porque renovam a esperança em cidades mais inteligentes e sustentáveis. Quando o altruísmo seja verdadeiro propósito não só do serviço público, mas de todas as relações sociais e a linguagem universal seja a da fraternidade.

 

Cidadania e respeito


O motorista Reinaldo Oliveira Junior e os garis Ricardo Oriques, Gilberto da Silva e Sandro Machado, comovidos com a atenção e empolgação de Luiz Gustavo toda vez que fazem a coleta na Coloninha, providenciaram uma doação para presenteá-lo com um caminhãozinho feito pelo também empregado da Comcap Joaquim de Souza.

“Ele nos espera toda segunda e sexta, escuta o caminhão e vem correndo. Assim temos muitos amigos nos roteiros. A movimentação dos garis encanta as crianças. Primeiro ficam tímidas, depois dão tchauzinho e então passam a nos esperar todo dia de coleta”, conta Reinado Junior, sobre o vínculo das equipes com os usuários do sistema de coleta.

A avó de Luiz Gustavo Sandra Regina do Livramento confirma que ele fica aguardando os amigos e quandos os vê começa a bater palmas e pular. “Ele adora, gosta dos amigos e fica orgulhoso de trazer o reciclado. Desde cedo aprende o que é cidadania e respeito com os garis que fazem um trabalho muito importante para a cidade”, afirma.

 

Heróis para os brasileirinhos

No Monte Cristo, todos os dias, entre 15h30min e 16h, Alexsander José Lourenço, de 14 anos, espera a equipe da coleta convencional da Comcap. Em dezembro, a equipe formada pelo motorista Diego Porto e os garis Daniel Ricardo de Souza, João Carlos da Silva e Rafaelle Terezinha dos Santos cotizaram-se para presentear Alex.

A mãe Elenice Terezinha Pavanati aprova a amizade. “Tem muita criança que chama gari de cheiroso, catinguento, teve até uma menina que foi puxar Alexsander pela orelha para não chegasse muito perto do caminhão da Comcap. A gari Rafaelle saiu do roteiro e foi pegar o Alex pela mão esclarecendo: o Alex é nosso amigo, a gente cuida dele.” Rafaelle também é moradora do Monte Cristo.

Alex é um menino diferente e trata os garis como iguais, compara sua mãe.  “Ele vê o João, é o primeiro que passa, e já sabe que vem o caminhão. Para ele é a melhor parte do dia: chegar da escola e esperar o caminhão da Comcap. Às vezes eu paro e fico observando: Alex olha como se fossem os heróis dele. Tipo, se acontecer alguma coisa comigo, eles estarão lá e vão me ajudar. O melhor dia foi quando motorista parou na frente de casa e disse: vamos dar uma volta. Aquele dia parecia que ele ia explodir, felicidade tão grande que, meu Deus!”, conta Elenice. João também tem um filho especial, já adulto, e sua amizade com Alex é daquelas para se contar de verdade.

 

Super-heróis para o americaninho

O garotinho Liam Caio Riddlebaugh, de três anos, mora em Santa Bárbara, na Califórnia, Estados Unidos, mas realizou o sonho de chegar perto dos seus heróis em Florianópolis. Em férias em Jurerê Internacional, em janeiro, fez questão de bater foto e cumprimentar os garis da Comcap. “Aqui na Califórnia, as crianças amam e respeitam muito esses trabalhadores. Liam Caio ficou muito feliz porque chegou perto. São super-heróis para ele. Tomara que consigam fazer um trabalho de reconhecimento também no Brasil, para que desde pequenos respeitem os profissionais da coleta”, disse a avó Jane Sá ao mandar a foto da equipe e do gari e lutador de MMA Adalberto Escandiel cumprimentando o admirador.

Jane também encaminhou imagem da réplica do caminhão de coleta que é o brinquedo preferido do garoto. Lá, contou ela, caminhões de coleta e lixeiras fazem sucesso entre a criançada tanto quanto carrinhos de polícia e bombeiros.

 

Amigos para o menino argentino


Augusto Iglesia Clezar, que nesta semana completa três anos, voltou para a Argentina com muitas lembranças dos seus “amigos do lixo”.  No dia 28 de fevereiro, ele foi surpreendido pela equipe formada pelo motorista Kiev Soares Martins e os garis Milka Souza, Elias Martins Junior, Cleomar Sachini e o carnavalesco Zeca Swinguinho que trabalhou como temporário na Comcap neste verão. Ganhou um caminhãozinho feito com materiais recolhidos no próprio roteiro de coleta pelo gari Cleomar. Segundo a família, anda por todos os lugares com o presente contando sobre os amigos que deixou no Brasil.

“Augusto e sua família eram  tão queridos conosco que queríamos retribuir de alguma maneira, daí surgiu a ideia do caminhão”, conta Milka. O padrinho de Augusto, Cristian Williman, relatou o episódio no Facebook, destacando que “são os pequenos gestos que fazem do mundo um lugar um pouco mais bonito”.

 

Consciência ambiental

Vinícius Antônio Souza de Mendonça aprendeu na casa de sua avó Graça a separar os recicláveis. Desde então, é com muita festa e consciência que participa da coleta seletiva da Comcap. “Separo o plástico e o vidro do lixo comum para entregar na segunda e na sexta. Se colocar tudo no lixo comum acontece que pode-se acabar com a Terra, o reciclável tem que ser separado”, aconselha o menino que junto com o irmão Victor e a mãe Aline Cristina de Souza de Mendonça foi presenteado com réplicas dos caminhões da Comcap. Foi presenteado no Natal pela equipe dos garis Tiago Nunes Soares e Cristiano Cesar Cardoso com um caminhãozinho feito e doado por Joaquim de Souza.

 

De pai para filho

Cristiano Cesar Cardoso trabalha há sete anos e três temporadas na Comcap. Trabalhou três verões como temporário até passar no concurso como efetivo. Seu filho Enzo é encantadíssimo com a profissão do pai. “O sonho que eu tinha de ser gari, a vontade de subir no caminhão, agora também é dele. É daí pra frente”, comemora, com orgulho. 

“Quero ser gari, meu pai sempre trabalha na Comcap. Ele me mostra o arranhado dele, me conta como é, é difícil ser gari, mas eu quero ser como ele”, promete Enzo.

 

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