Secretaria Municipal de Saúde

13/08/2010 - Saúde
Liminar garante vacinação em Florianópolis
Medida preve multa de até R$ 200 mil se for descumprida

Autos n° 023.10.044112-5
 
Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu: SINTRASEM - Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal
 
Vistos, etc.
O Ministério Público de Santa Catarina, por seu órgão em exercício neste Juízo, afora ação civil pública contra o SINTRASEM  Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal, aduzindo, em espartilhada síntese, que, aportou na 33ª Promotoria de Justiça da Capital a representação nº 01.2010.006531-3, encaminhada pelo Secretário Municipal de Saúde de Florianópolis, Dr. José João Candido da Silva, noticiando a greve dos servidores da rede municipal de saúde deflagrada pelo requerido, desde 9 de agosto do corrente ano por tempo indeterminado.
Salienta que, segundo dados do prórpio requerido, 90% (noventa por cento) dos trabalhadores da Saúde aderiram ao movimento, número este que evidencia o risco aos serviços de saúde prestados no município e o atendimento a população, principalmente, nos casos de urgência e emergência.
Ademais, o movimento grevista, em assembléia, no último dia 12 de agosto, decidiu que os servidores da rede municipal da saúde que aderiram à paralisação não trabalharão no Dia D da Vacinação, contra a paralisia infantil  Campanha nacional implantada pelo Ministério da Saúde  que será realizada no próximo sábado, dia 14 de agosto, em todo território nacional.
Informa, por fim, que caso seja mantida a greve, restará evidente não só o prejuízo à campanha de vacinação, caracterizando a exposição da saúde das crianças a risco, haja vista que não receberão as vacinas contra a paralisia infantil, mas também aos atendimentos de urgência e emergência que vem sendo prestados pelo município em números de grande significância, principalmente, a partir do fechamanto parcial das Emergências dos Hospitais Florianópolis e Governador Celso Ramos, que só estão atendendo a casos referenciados.
Razão pela qual,  requer a concessão de medida liminar, para impor obrigação de fazer ao requerido, no sentido que restabeleça imediatamente os serviços de saúde do município, garantindo o percentual mínimo de 50% dos servidores em atividade em todas as unidades de saúde e 100% nas UPA´s  Unidades de Pronto Atendimento, bem como que os grevistas sejam instados a trabalhar no Dia D de Vacinação contra a Paralisia Infantil que ocorrerá no dia 14 de agosto de 2010 e que se abstenham de divulgar notícias e campanha de boicote a vacinação, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para o caso de descumprimento.
Vieram-me os autos.
É a sinopse essencial para apreciação do pedido de entrega ab ovo da prestação jurisdicional.
Decido.
A legitimidade ministerial está resguardada pelo disposto no art. 127 da Constituição Federal, art. 5º, I, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), art. 25, IV, a, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público), eis que o direito defendido nos presentes autos é coletivo e indisponível (à vida e à saúde).
Pela leitura do inciso VII, do artigo 37, da Constituição Federal, tem-se que o direito de greve dos servidores públicos encontra fundamento constitucional. Entretanto, esta norma é de eficácia limitada e, por isso, não é auto-aplicável, depende da edição de lei específica.
A título de elucidação, antigamente, o artigo 37, VII, da Constituição Federal dependia de lei complementar. Todavia, com o advento da Emenda Constitucional n. 19/98, o referido dispositivo constitucional passou a exigir a definição do direito de greve dos servidores públicos por meio de lei ordinária.
Sobre o tema, comenta Alexandre de Moraes:
"A Constituição Federal de 1988 ampliou os direitos sociais dos servidores públicos civis, permitindo-lhes tanto o direito à livre associação sindical, quanto o direito de greve, este último exercido nos termos e nos limites definidos em lei ordinária específica, conforme prevê a Emenda Constitucional nº 19/98. Dessa forma, alterou-se a espécie normativa exigida para a definição dos limites do direito de greve do servidor público que deixou de ser lei complementar, cuja exigência constitucional para aprovação é de maioria absoluta (CF, art. 69), para tornar-se lei ordinária, cuja aprovação exige tão-somente maioria simples (CF, art. 47).
Independentemente dessa alteração, a jurisprudência já se havia fixado no sentido da inexistência de auto-aplicabilidade do direito de greve do servidor público, principalmente nos chamados serviços essenciais, necessitando integração infraconstitucional, que, a partir da EC nº 19/98, será realizada por meio de lei ordinária específica." (Constituição do Brasil Interpretada. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 858. Grifou-se).
Para complementar, transcreve-se o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Injunção n. 20:
"MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO - DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL - EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO - MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO - PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) - IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR - OMISSÃO LEGISLATIVA - HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO - RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL - IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE - ADMISSIBILIDADE - WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta - ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida - que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público - constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa - não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora - vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina." (STF. MI 20/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 19.05.1994. grifou-se)
Destarte, tem-se que o artigo 37, VII, da Constituição Federal, que prevê direito de greve dos servidores públicos, é norma constitucional de eficácia limitada e, por isso, é desprovida de auto-aplicabilidade, dependendo de lei específica.
Nesse desiderato, destaca-se que não há lei específica que regule o direito de greve dos servidores públicos, previsto em norma constitucional de eficácia limitada. Face a tais argumentos entendemos que a greve dos servidores públicos municipais referente a prestação de serviços emergências - hospitalares, objeto da presente ação, deve ser imediatamente interrompida, com o consequente restabelecimento das atividades de saúde pública do município, seja com relação aos atendimentos emergências e hospitalares, seja para a realização da campanha de vacinação contra a paralisia infantil.
E Isto é assim, pois o direito à saúde, é assegurado pela a Constituição Federal (arts. 196 e seguintes), e repisados na Carta Estadual :
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade. (grifo nosso)
 
O artigo 154, também da Constituição Estadual, completa a previsão normativa, dispondo:
Art. 154  São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e também por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Da análise de todos os dispositivos colacionados resta hialino que a greve proclamada pelo requerido deve ser interrompida, de modo a melho executar os serviços de saúde, garantindo aos cidadãos a proteção, como no caso em tela, da campanha de vacinação e de recuperação da saúde, propiciando-lhe atendimento integral, tanto individual como coletivamente.
A norma é objetiva, e regulamenta direito fundamental subjetivo inalienável dos brasileiros e estrangeiros residentes no país, como determina a Magna Carta :
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
O direito à saúde é também assegurado, quando previsto constitucionalmente  como direito social :
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à matenidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição.
Da documentação juntada, constata-se que o Ministério Público logrou comprovar satisfatoriamente a necessidade da retomada imediata dos serviços de saúde do município, em todas as áreas da saúde, em especial na UPA´s, bem como a participação dos grevistas no Dia D de Vacinação contra a Paralisia Infantil, no dia 14 de agosto.
Do exame de todas essas questões, tem-se que há provas inequívocas dos fatos argüidos pelo autor. Igualmente, verossímeis são as assertivas lançadas na exordial quanto a seu direito de exigir do requerido um número mínimo de servidores para a prestação dos serviços municipais, visando a garantia do direito daqueles à vida e à saúde.
O fundado receio de dano irreparável consubstancia-se na falta da prestação do serviço municipal em todas as áreas da saúde, colocando em risco todos os atendimentos de urgência e emergncia que não forem referenciados nos Hospitais Florianópolis e Governador Celso Ramos, e em especial o prejuízo a campanha de vacinação contra a paralisia infantil, que expõe à risco a saúde das crianças, que como é cediço, representam o futuro de nossa nação. Consubstancia-se ainda pela ineficácia processual no caso de retardo na entrega da prestação jurisdicional.
Isto posto, com fulcro nos dispositivos citados na presente decisão, DEFIRO A LIMINAR requerida e DETERMINO que o SINTRASEM  SINDICATO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO MUNICIPAL restabeleça imediatamente os serviços de saúde no município, garantindo o percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento) dos servidores em atividade em todas as unidades de saúde e 100% (cem por cento) nas UPA´s  Unidades de Pronto Atendimento, bem como a participação dos grevistas no Dia D de Vacinação contra a Paralisia Infantil, que ocorrerá no dia 14 de agosto (amanhã), se abstendo de divulgar notícias e campanhas de boicote à vacinação, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em caso de descumprimento, para cada unidade de saúde (= hospitais) e UPA´s em que o serviço não for restabelecido.
Fixo ainda a multa de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em caso do não regular funcionamento dos postos de vacinação no "Dia D de Vacinação contra a Paralisia Infantil".
Finalizando, face a urgência que o caso requer e o horário em que está sendo exarada a presente decisão, deve esta servir como mandado.
Intime-se pelo plantão.
Após, cite-se.
Florianópolis (SC), 13 de agosto de 2010.
 

José Mauricio Lisboa
Juiz de Direito